sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Sem rodeios

A flor é o órgão sexual das plantas.
Não basta isso para entender o que é a beleza da vida?

(Novembro de 2010)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A menina-vendaval

para Julie

Um dia vi uma menina nascer. Tinha olhos tão firmes, que um dia até me assustaram, e ainda nem tinha parado de mamar. Tinha um corpo tão forte, que se pôs de pé antes da hora. Tinha uma força de vida tão grande, que corria quando fez um ano. E sorria, e quando sorria alegrava o mundo todo. Eu olhava, e ria junto. O pai dela olhava, e ria junto. E eu sentia tanto orgulho que me deixava levar, feliz, pela vida que era dela. Quando andava, corria. Quando falava, tropeçava nas palavras. Quando brincava, era um vendaval. Quando precisava ficar quieta, era uma dificuldade. Nunca ficava sozinha, de tão cheia de amigos que sempre foi. Mas um dia, sozinha no quarto, cheguei preocupada perguntando se estava triste – e ela respondeu: estou pensando. Ah, a menina estava crescendo. Agora, além de pensar, sei que ela também chora sozinha. E nem sempre posso ver. E olho para ela, e lá estão os mesmos olhos, a mesma força, a mesma inquietude. A menina corre para o mundo e não entende tudo o que vê. Mas a menina ama o mundo. E quer correr e alcançar. Corre tanto que deixa coisas pelo caminho. Até me deixa nervosa.
Mas queria só conseguir que ela escutasse: eu continuo toda grande, de tanto orgulho da menina-vendaval que deixa coisas pelo caminho. Porque, por onde ela passa, o mundo todo sorri.

(Novembro de 2010)

Sobrevida

o rumor suave dos bichinhos sob a terra molhada do quintal
me inquieta e me desperta para a vida
que é mais sutil do que esta que
um dia não terei mais

a vida pequena não morre –
passa de um ser a outro
de um tempo a outro

e nós, que nos julgamos grandes,
morreremos sem saber se algum pedaço
– um pedacinho qualquer –
de tudo o que fomos,
permanecerá
para além de nós

porque o que é único não sobrevive naquilo que é diferente de si

(Novembro de 2010)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Fragmento de coisa

Para o leitor que comentou a postagem do dia 1.8.2010

Sim, agora sei:
o monstro é o desejo.
Perdida,
o olho sem medo
sem luta
e espero.
O monstro-desejo
me toma.
Tomada,
me sento com as palmas das mãos voltadas para o céu
e choro.
Só da natureza vem o consolo.
E o consolo é ser como todas as coisas:
simples folha lançada ao vento
correndo ao sabor de forças
que são enigmas
que são perenes
que estão na infinita distância
daquilo que não posso tocar
com minhas mãos
que são feitas de terra.

(Novembro de 2010)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Poesia auto centrada

Só falo de mim, quando faço versos.
E a quem pode interessar os versos que faço sobre mim?
Ah, bem sei que a ninguém além daqueles que se interessam por mim.
A não ser que o que falo de mim seja maior do que eu mesma.
A não ser que o que falo de mim seja uma mistura de verdades e mentiras
sobre o que sou, o que penso que sou, o que queria ser, o que nem chego a ser.
A não ser que os versos que faço sobre mim sejam só um jeito torto
de tentar dizer sobre tudo o que vejo quando abro os olhos ao amanhecer –
e o que vejo é sempre marcado pela tonalidade da luz dos meus olhos,
que, por sua vez, são marcados pela luz que me vem de fora.

(Novembro de 2010)

domingo, 14 de novembro de 2010

Nascimento

Vi quando uma criança, com espanto, sofreu mais do que podia compreender. Sofreu por querer o que achava que não devia querer – por pensar que o que queria fazia sofrer quem ela amava e quem estava com quem ela amava – por não conseguir querer o que pensava que era certo.
Vi nascer o sofrimento moral que é o que marca, para sempre, um ser humano que ama.

(Novembro de 2010)

domingo, 7 de novembro de 2010

Pequeno esboço de memória

pequenos pensamentos me vêm do fundo da infância perdida
(as coisas não vão dar certo o que faço é sempre errado as coisas não vão dar certo)
pequenos pensamentos perversos me vêm da infância que persiste
(sou o centro das coisas do mundo que não dá certo sou o centro do mundo das coisas que não dão certo sou o centro)
pequenos pensamentos que me adoecem de medo
me vêm da infância que se confunde
comigo
e o que sou se envereda nas coisas do mundo
e o mundo se envereda em mim com suas imagens
que são minha memória
e faço versos que são textos
e textos que são memórias
– o que sou se enovela com o que invento ser

medo e desejo

quero tanto
e nada vai dar certo
quero tanto
e não sou capaz de nada
quero tanto
e me rasgo agora
quero tanto

medo e anseio

quero

tanto

(Novembro de 2010)