terça-feira, 28 de junho de 2011

Ocaso

Eu e ele nos encontramos sobre um solo fértil. Rapidamente entre nós nasceu uma relva bonita e simples, era a nossa amizade. Depois de algum tempo, felizes na relva macia que nunca parava de nascer e crescer, vimos o surgimento de uma planta rara, mas muito frágil. Eu imediatamente percebi que era belíssima e que eu queria muito que ela resistisse à própria fragilidade. Me dediquei, com minha alma inteira, a cuidar dela, o mais delicadamente possível, e nunca deixei de acreditar que ela sobreviveria e cresceria sempre, e que seria cada vez mais bela. Ele, apesar de também reconhecer sua beleza, não acreditava que ela sobrevivesse, e era desta dúvida que provinha a fragilidade dela. Era o nosso amor. Mas eu, teimosa e feliz, a despeito da descrença dele e da fragilidade que a planta não deixava de mostrar, continuei cuidando, sempre mais e mais encantada. Ela cresceu e até floresceu em flores que eram a nossa alegria. Ele, apesar de descrente, me acompanhou e apreciou meus cuidados. A seu modo, oscilando entre ainda hesitar e às vezes quase acreditar, também cuidou. Permanecemos unidos por muito tempo neste trabalho, tão belo e prazeroso quanto envolvente; algumas vezes cansativo e doloroso, mas quase sempre macio e tranquilo. E a planta crescia, e as flores de prazer e alegria nos embalavam, e nós estávamos seguros um com o outro, com a nossa planta. Mas, apesar das flores, ela não gerava frutos, e eu sofria com isso, e ele pensava que era assim mesmo, que ela não daria frutos. Mas eu não me conformava e queria o fruto, e pensava que ela não dava frutos por causa da desconfiança dele. Mas, apesar desta dor, ela ainda crescia, e eu pensava que muito ainda havia para nascer nela, novos galhos, novas flores, quem sabe o fruto que eu tanto desejava. Até que ele, irresistivelmente atraído por uma outra planta que tinha nascido repentina e vigorosamente em outro solo, podou a nossa planta na raiz, e se afastou de perto dela. Levou consigo uma parte dos galhos caídos, mas não cuidou mais da raiz que tinha restado no nosso solo. Eu fiquei com o resto dos galhos e algumas flores murchas nas mãos, tentando desesperadamente ainda sentir o seu perfume. Chamei por ele, tentei fazê-lo ver que não podíamos deixar de cuidar da nossa planta, que ela ainda poderia rebrotar. Ele, apesar de sofrer e não conseguir imaginar o mundo sem a nossa planta, não voltou. A força de atração da outra planta era muito grande. E eu fiquei sozinha em nosso solo, sangrando de dor e tristeza, sem saber o que fazer. Até que entendi que não poderia fazer nada, a não ser deixar meu pranto se derramar em nosso solo, e permitir que a natureza conduza o rumo das coisas. Sei que as raízes da nossa planta ainda estão lá, sob o nosso solo fértil. Pode ser que ela não tenha mais força para brotar, e que tenha sofrido tanto com o golpe brusco, que espalhe uma amargura por todo o solo, e não permita que nada nasça nele, nem mesmo a relva macia da nossa amizade. Pode ser que ela não tenha mais força para brotar, mas se aquiete e se deixe virar adubo para que a relva renasça mais bela ainda do que antes, pois agora gerada na sombra da lembrança da alegria que tivemos por termos vivido juntos, ao abrigo da nossa planta. E pode ser que, depois de algum tempo, ela recobre a força, e rebrote. E, se isto acontecer, não será mais frágil: terá a força de tudo o que sobrevive à morte.

(Junho de 2011)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Oração

De repente redescobri o brilhante perdido no meu jardim. E ele é ainda mais bonito do que eu pensava que fosse. Mas é de uma beleza tão delicada que não me fez explodir em um chafariz de alegria. Ao contrário - me levou a um recolhimento tão silencioso quanto o de um monge. E se alguma palavra sair de mim, será: agradeço.

(Junho de 2011)

domingo, 5 de junho de 2011

Acalanto

de cima do muro
olho a cidade a correr
de cima do muro
deixo minar a dor

e gota a gota a dor se derrama de mim

ao pé do muro brotam pontos verdes
em cima do muro me deito
e a cidade corre sem mim -
a erva cresce regada pela minha dor
e me envolve como um cobertor de vida e ternura
que me acalenta de volta à cidade

(Junho de 2011)