sábado, 27 de agosto de 2011

Terceiro cântico

Recebo de Tuas mãos a beleza do mundo.
E choro, choro,
e o pranto vem de um coração já sem fronteiras,
rasgado como uma esponja toda aberta à matéria que a preenche.
A matéria que vem de Ti
e que me joga no mundo com a força de uma fera.

(Agosto de 2011)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Algumas maravilhas do mundo, entre todas as outras

A formiga, que carrega uma folha muito maior do que ela mesma.
O elefante, que passa o dia comendo lentamente, apenas para caminhar lentamente enquanto come.
Bichos e plantas, que vivem na superfície da Terra, como larvas no couro velho de uma bola de futebol.
O bicho-fêmea, que fabrica dentro de seu corpo um outro bicho, e que eu seja um bicho desses.
As estrelas, que são caldeirões de fogo onde é fabricada a matéria toda do universo.
O sexo.
A lágrima.
O riso.

(Agosto de 2011)

sábado, 20 de agosto de 2011

A espera

A menina é agora tão somente uma semente.
E na semente jaz um pedaço de morte, um pedaço de vida.
Recoberta pela terra, ela não respira.
Apenas espera, espera, espera.
Pois a hora de nascer não está inscrita nela.
Será inscrita, a ferro e fogo, na escrita do mundo -
quando seu primeiro membro romper a terra e alcançar o ar,
e se estender, exposto, ao sopro que tudo preenche.

(Agosto de 2011)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Longe do amor

A menina nasceu na beirada do ninho,
e as asas da mãe mal a alcançavam.

A menina cresceu dando voltas em torno do ninho,
e as asas da mãe, esmorecidas com o tempo, já nem se mexiam.

A menina partiu para longe do ninho,
mas nunca esqueceu aquela fome
e o desejo doído de alcançar o regaço da mãe.

(Agosto de 2011)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Fênix

Acordei com um susto por dentro: o céu está azul, a brisa sopra suave, o amor que tenho faz carícia em mim mesma.

(Agosto de 2011)

domingo, 7 de agosto de 2011

O hipopotamozinho

Vi um hipopotamozinho na mesa da minha sala. Sorri com ternura e o abracei e o beijei e o desejei. E o contemplei por muito tempo. E sua existência me era doce. E minha alegria por sua existência me confortava a alma. O tomei nas mãos com força e meu corpo todo se esquentou. E entendi que não estava sozinha, porque estava com ele.

E vi, com tristeza, que a vida de quem não o desejou é mais pobre do que a minha.

(Agosto de 2011)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Segundo Cântico

Perdida estou em Tuas mãos.
Não sei de mim, mas descanso.
Não há mais luta, não há mais desassossego.
Só este roçar estranho do Teu hálito,
este não saber que me conforta de mim,
este desentendimento que me deixa quieta,
que me lança no chão com os olhos colados na imensidão do céu,
com as palmas das mãos voltadas para Ti,
com o coração aberto como uma chaga viva,
à espera da Tua voz.
E bem sei que Tua voz é inaudível,
que os Teus caminhos são incógnitos,
mas mesmo assim, espero.
Espero pelo que não há,
porque aí estão os Teus sinais.
E faço de mim a areia para as Tuas pegadas.
E da minha dor, o material para a Tua ação.

(Agosto de 2011)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Entrega

O amor é a coisa mais bonita de todas. Uma vez eu amei e não fui feliz, então fui embora e deixei o amor para trás. Tive medo de nunca mais amar, afinal, eu tinha desprezado o amor que sentia. Mas a vida me foi generosa, e amei de novo e fui feliz, muito. Mas desta vez, ele foi embora e me deixou sozinha com o amor nas mãos. Agora penso: o que fazer com este amor que me queima as mãos sem poder sair delas? Não posso desprezá-lo outra vez. Terei que deixá-lo arder até se consumir inteiro. Estou jogada nesta fogueira e meu corpo todo arde.
Não sei o que virá depois das cinzas, mas aceito, porque estou entregue nas mãos do amor, que é a coisa mais bonita de todas.

(Agosto de 2011)

O amor recobre a terra

O pássaro selvagem construiu outro ninho, longe da terra.
A terra sangra outra vez, mas não destrói o ninho do pássaro.
O ninho vazio é a chaga aberta,
mas é também a expressão inteira do amor que se recusa a morrer.
A terra há de se salvar por força deste amor.

(Agosto de 2011)