sábado, 22 de dezembro de 2012

Além da cegueira

enfio a mão no meio da lama
e nada encontro além de mais lama
o menino tira a mão rápido e diz: ouro!
e eu desdenho e vejo lama
a menina mergulha e se levanta
e o homem que passa grita: brilho!
e eu desdenho e vejo lama
enfio os pés e quase o corpo todo
saio de lá e sou toda lama
e a mulher me vê de longe e grita: pérola!
e eu, que só desdenho, vejo lama

e sei que ninguém ama a lama
e escuto outro e outro grito:
ouro! brilho! pérola!
e fecho os ouvidos e olho só para baixo
e vejo lama, e penso lama, e creio lama

surdez e cegueira me consomem
não sei de mim além da lama
tento ver pelos olhos dos outros
mas a farsa me consome
não vejo o que vêm
e o que sou é o que vejo
e me faço ser o que vejo
e a lama me revolve e resseca minha pele
sufocando tudo que ainda respira em mim

mas vejo pela fresta da pele ressequida
e anseio e quero e desejo
quero ver o que não consigo
quero crer no que não creio
quero viver do que não sei

quero ser o que sou:

(Dezembro de 2012)