domingo, 28 de fevereiro de 2016

Cacos

Para o Evandro

Um dia um homem chegou
e adentrou sem pedir licença -
eu deixei.
Depois ele voltou
e me chamou sem me dar tempo -
eu neguei.
Outro dia a memória o trouxe de volta
e ele cresceu outra vez
porque as raízes estavam vivas.
O tempo se comprimiu
como folhas que se interpenetram.
Vinte, trinta ou cinquenta anos,
tudo é sempre.
O que sou se espalha pelas raízes todas que ainda vivem
em cacos, recortes e falhas
que são como espelhos
a me mostrar inteira,
de cada vez.
E a cada vez que me reconheço,
lá está a Tua sombra.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

No meio de tudo

No centro, corre um rio.
No centro de mim, corre um rio.
No centro do rio, um coração.
No coração, um rio.
No rio de sangue, uma dor.
E no meio da dor, um sorriso.
No sorriso, um suspiro.

No meio de Deus, um susto.

Fios

Os fios que tecem o mundo real são finos e quase imperceptíveis.
Vejo uma brisa leve roçando as folhas.
Só isso, um roçar suave.
E o modo abrutalhado de andar de quem passa ao largo
sem ver.
Os olhos fechados, os poros abertos.
Teu olhar penetrando tudo -
o mundo penetrado por Ti
jogando fora as areias todas dos castelos criados.
Vazios.