domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre a paixão

O menino olha atônito para o monstro.
Foge.
Mas foge sem desviar o olhar –
teme ser aprisionado,
e quase não vê que está aprisionado pelo olhar.

O menino enfrenta o monstro que se vestiu de cores encantadoras.
E o monstro se transforma em anjo –
é belo, atraente, e leva o menino ao êxtase.
Ele segue com o anjo, e é feliz.

Com o tempo, as cores do anjo se evanescem.
O êxtase perde sua força, o menino se vê no vazio,
e chora, perdido.
Mas depois, faz o caminho de volta.

O monstro, que não era tão perigoso,
e era até maravilhoso, de repente
não era tão importante.

(Outubro de 2011)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Aforismo 3

Enfrentar um enigma é se deixar transformar por ele.

(Outubro de 2011)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Novos seres

Uma menina sem modos e um menino sem regras.
Ambos de olhos voltados para fora -
os dela, para o vazio do nada,
os dele, para a vastidão do mundo.
O meu olhar cai sobre eles,
e o que vejo são dois seres fixos como árvores velhas.
Ah, sim, eles me têm habitado por muito tempo,
como as aroeiras da terra antiga dos meus avós.
Têm vivido da minha seiva, e deixado em mim suas sementes.
Na minha ignorância, tenho vivido com eles,
na terra-alma em que sou apenas mais um habitante.

(Outubro de 2011)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O elefante-menina

A menina corre por entre elefantes e outros bichos.
Joga flores para o alto e ri enquanto corre.
O céu está azul, a menina nem nota.
Nota só a alegria, a menina que corre.
Quando se cansa, sobe pela tromba do elefante
e se deita em suas costas, a menina folgada.
E o elefante caminha manso, enquanto a menina descansa.
Quem vê de longe, vê um bicho só -
o elefante-menina que anda sobre a terra.
Mais nada.

(Outubro de 2011)

sábado, 15 de outubro de 2011

Exaustão

A terra, exaurida pela espera vã, foi varrida por um vento intenso e revigorante, que levou consigo o ninho do pássaro selvagem.
Se um dia ele voltar, terá que reconquistar o seu sossego.

(Outubro de 2011)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O grito

Quando o coração já não cabe no peito, e o desejo, quase a romper a pele, impulsiona para a vida, o corpo todo treme e teme.
A boca, tensa, hesita sem saber se contém ou liberta o grito que é como um vulcão.
E por baixo do medo, só a certeza: a vida é maior do que eu.

(Outubro de 2011)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Quarto cântico

Nas Tuas mãos, repouso.
Mas meu coração inquieto me desperta do sossego,
e, mesmo em Tuas mãos, ainda sofro.
O coração,
como um filhote faminto de fera que ainda não aprendeu a caçar,
chora e pede.
E Tu, como a fêmea que sabe que não pode mais alimentar a cria,
apenas me chama e diz: "caminha".
E eu, entre perdida e assustada,
caminho, choro e peço.
E creio.
E no caminho mais me perco,
no choro mais me desconsolo,
no pedido mais me rasgo.
Mas creio.
Me lembro então de Tuas mãos -
e repouso outra vez.
E o filhote, sossegado, não chora nem pede mais.
Já sabe que possui tudo, se descansa em Tuas mãos.

(Outubro de 2011)