sexta-feira, 28 de julho de 2017

Ferida

Pego nos braços o cão ferido
aperto, sufoco
respiro por ele.
Toco a ferida e ela é minha.
Sopro para reviver
e é a mim que revivo.
O cão entranhado
percorre o meu de dentro.
A ferida se expõe
de dentro para fora.
Cheia de chagas
purgo
e o pus me limpa e me mostra.
Matéria bruta
que é minha e sua.
Que é do cão e da ferida.
Etérea e carnal.
Fio de água no leito morto do córrego
fio de sangue no corpo morto do cão.
Fio que vive.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Santana

Umbigo é o que liga ao que nutre -
ao pedaço de chão de onde crescem as veias.
As veias todas retorcidas inflamadas pelo sangue que corre mais e mais rápido,
a veia no pulso a ponto de ruptura,
a dor no peito a ponto de descanso.
O corpo espalhado na terra, a cara no chão.
O avô desenhando os planos
a avó ao lado
as crianças nascendo sem medo
o medo vindo depois.
Da sacada, a curva do rio.
O rio parado, o vento parado, o tempo enfim parado.
Camadas de passado se superpondo ao futuro -
o entrelace do conhecido com o desconhecido.
Eu deslizando pelas frestas abertas
sentindo os cheiros todos
do avô
do tio
dos santos
das águas
terras
ingazeiros.
O céu baixo se oferece.
O céu e o rio se entregam, tudo é fogo.
Santana cai no rio, o rio faz curva, a alma cai e desce.
Raízes, umbigos, rizomas.
Eu espalhada, sem nome, sem mim.
Eu raízes, umbigos.