Fogo-Amor

Encosto meu rosto em Teu peito.
O calor me queima.
É desse fogo que fugimos.
É esse amor que nos fustiga.
Se o mundo se incendiar,
não restará pedra sobre pedra
do que não for fogo também.

As meninas

Quando a menina passou
e viu
sem susto
os galhos fortes
do que antes era só sonho e fé,
se ajoelhou e com os joelhos
sujos da terra vermelha
que cobre o mundo todo
brincou.
Quando eu passei
e vi
sem medo
a menina com a terra toda
que cobre o mundo,
me sentei e pus a menina no colo.
Éramos duas.
E logo éramos o mundo.
E a terra nos avermelhava a fronte chorosa.
E o fogo do sol nos derrubou sem dó.
Era Tu
e Tua língua.
Éramos tuas
com corpo em fogo.

Aforismo 28

Do profundo da terra devastada
brota sempre uma semente.

Não amor

Ele me olha
e não há amor.
O peito sangra
e o sangue
corta a pele ressecada.
Uma só ferida
percorre o corpo.
Me limpo
me enfeito
me curo
me minto:
sugo seu olhar
e ainda assim
- o mesmo -
e eu grito
peço
rasgada
em dor:
e não há amor.
E assim nem creio
que possa haver
tal Amor perene
que me salve
de mim.
Mas ainda quero.

Língua e letra

A letra, que, afinal, é minha
treme sob o jugo da pulsação
infinita que me assalta
e devora:
a língua de Deus não tem pena de mim.
Bagunça minhas entranhas
como o cachorro que lambe a cadela no cio.
Mas não sacia.
A fonte do desejo não seca
e eu sigo ardendo
de saudade de Ti,
Deus que seduz.

Aforismo 27

Cada ato meu - ou seu - tem importância nula e fundamental para o destino do mundo.

Para depois da dor

O meio do peito arde e dói.
Amanhã faço anos, e não são poucos.
A alegria tarda,
mas espero em paz.
Teu rosto me espreita,
amor que remexe.
O meio do peito é prenhe.

Ela, Mari

Meu coração transtornado
olha o corpo que sangra.
Mas o que vejo não é ela -
é o Teu rosto
mais uma vez rechaçado.

O outro

Diante de Ti
de quem nada sei
era fácil ver a fenda infinita da distância.
Mas Tu me fizeste ver mais:
diante de um qualquer
há a mesma fenda.
E lá onde o saber não chega
só há amor.
Quando algo há.