domingo, 2 de junho de 2013

O novo odre

"Ninguém põe vinho novo em odres velhos." (Lc, 5, 37)

Ela dizia:
seja boazinha
reze para não faltar o pão
reze para o dinheiro aumentar
olha seu pai, não segue com ele
seja boazinha
não seja prepotente
não seja amiga de gente feia
não namore rapaz feio
não ame um qualquer
faça o que é certo
seja boazinha
não coloque os cotovelos na mesa
não fale alto
seja boazinha
você é uma princesa.

Eu me remoía e
a palavra dela corria dentro de mim como ratazana.
Buscava outras palavras:
sê sincera
observa o sentimento
observa o sentimento do outro
ama
sê amiga
perdoa
justifica o que for justificável
defenda o que for defensável
sê sincera
vê de perto a verdade
mexe na verdade do outro
explicita a beleza da verdade
sê sincera
descobre o que é justo
revela a mentira.

Eu me culpava entre os odres velhos e o vinho novo.
Agora sei: me banho nas palavras novas
que se aninham no meio do meu peito
como se fora um odre novo.

(Junho de 2013)

Tarefa

Desde sempre,
ela não me viu.
Esperou de mim que fosse
o que eu não era,
e nunca viu o que eu era.
Esperou de mim o irrealizável,
a esperança última de quem vive:
ser o que não é,
fugir de si,
ser para os olhos do outro a perfeição que ele espera.
Desde sempre,
me culpei por não ser
o que ela queria.
E mais ainda,
por não ser por inteiro
o que eu era.
Em uma espécie de não-ser,
fui seguindo sangrando.

Diante d'Ele,
ser o que sou -

ai de mim.

(Junho de 2013)

sábado, 1 de junho de 2013

Aforismo 11

Ter os pecados perdoados é como ter espinhos retirados da carne.

(Junho de 2013)

Décimo cântico

"Senhor, se quiseres, poderás limpar-me." (Lc, 5, 12)

Quisera dizer: eu permito.
Mas ainda não podia,
eu, acorrentada em mim,
presa a meus modos próprios
e à desconfiança.

Quero dizer: eu permito.
E quando quero, tremo,
me aflijo, me dano.

Digo: eu permito.
E me entrego à ação
daquele que sabe
o que há para ser curado.

(Maio de 2013)