sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Entre

Minha casa se duplica em duas.
De minha varanda vejo a outra,
semi escondida entre árvores muito antigas.
Parece que é lá que eu deveria viver.
Acorrentada pelo medo, não saio de onde estou.
Empurrada pelo desejo, não me aquieto onde estou.
Começo a caminhar devagar, carregando as correntes.
O cansaço é enorme, mas o desejo não cede.
Chego ao riacho que corre entre as duas casas
e me deito com o rosto na água.
Na exaustão, me entrego.
Entre uma casa e outra
entre o conhecido e o enigma,
descanso.
Amanhã me levanto outra vez,
e talvez as correntes tenham se desprendido.
E talvez eu abra as portas novas
e veja de lá, não sem saudade,
a minha varanda velha.

(Novembro de 2012)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Prisão

O pássaro está preso no coração da sua terra.
Ela quer libertá-lo, mas não consegue.
O pássaro se aninha e chora.
A terra quer libertá-lo, as portas estão todas abertas.
O pássaro se comprime em si mesmo, se aninha, e chora.
A terra, sufocada, olha para o horizonte ao longe
e tem saudade do voo do pássaro.
O pássaro se contorce, a terra não tem dó.
A terra expele o pássaro que chora como uma carne expele um espinho.
A terra quer vê-lo fora de si.
Quer ver de volta o seu sorriso.
Quer ser de novo coberta pelo seu olhar.

A terra está cansada.

(Novembro de 2012)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Pico

Do cume do pico, a menina sorri.
Chegou onde queria chegar.
E agora se lança na descida,
desconhecida de si, entregue
à força bruta da vida
que a envolve
como um manto de calor e susto.
E a vida se enrola nela
que sempre tinha buscado apenas isto:
estar pronta para
se abrir.
A menina-flor.

(Novembro de 2012)

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sétimo cântico

A totalidade do mundo repousa em um único ponto.
Eu, toda prenhe, toco de leve o ponto, e tremo.
A vida toda se desmancha, e só o que fica é a luz.
E o sorriso me toma,
e olho pela janela os bichinhos,
e o sorriso se expande -
sou menor do que eles.

(Novembro de 2012)