quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O pote de ouro

Era uma vez uma menina que já nasceu dona de um pote de ouro, em um reino onde a noite era sempre escura. Enquanto ela crescia, o pote esteve sempre ao seu lado, mas ela não sabia como utilizá-lo. Ela tinha tudo que precisava, e não se lembrava de usufruir do ouro que era dela. Além disso, muito cedo percebeu que muitas pessoas do seu reino não tinham nem ao menos uma única moeda de lata, e então pensou que era injusto que ela tivesse um pote inteiro de ouro só para ela. Deixou de lado o pote e seguiu crescendo.
Quando era quase moça, decidiu que era a hora de aceitar o que era seu, pois o pote continuava lá, ninguém jamais havia tocado nele. Era que, sendo dela, só ela poderia se servir dele e, portanto, não tomá-lo para si seria o mesmo que transformá-lo em lixo. E ela soube que não devia deixar virar lixo uma dádiva tão preciosa.
Porém, quando aprendia aos poucos a se servir do pote, perdeu seu pai, e sentiu-se triste e culpada, e encheu-se de raiva, e desgostou-se do que era seu, pois não tinha dado a ela nenhuma sorte. Seguiu na vida sem o pote, e sofreu. Sofreu perdas, dores, e, sobretudo, sofreu um imenso vazio que fazia com que não se reconhecesse em nada em seu reino tão grande.
Longos anos se passaram. E ela um dia encontrou um homem que a olhou com amor. E a convidou para um passeio, e depois para um descanso, e depois para a vida toda juntos. Mas ela teve medo de aceitar e disse a ele que não podia, porque trazia no peito uma tristeza e um vazio que nunca a deixariam ser feliz. E contou a ele que tinha nascido com um pote de ouro. E ele disse:
– Para que serve o ouro do seu pote?
E como ela não respondeu, porque pensava que todo ouro era um só, e só servia para juntar riqueza, ele continuou:
– Acho que seu ouro é o que te falta no buraco do coração. É o que vai fazer você ser o que você é.
E então foram juntos procurar o pote, escondido no fundo de um armário antigo. E quando a menina, agora mulher, deixou cair no chão, pela primeira vez, todo o conteúdo do pote, viu a casa toda se iluminar pelo brilho das moedas. E seu coração foi preenchido pela luz, assim como o corpo se preenche com o pão.
E a mulher e o homem caminharam juntos de mãos dadas, e a luz do pote de ouro brilhava intensa nos olhos da mulher, e ela pôde enfim entender que agora poderia dar ao mundo aquilo que antes era só seu. Tendo tomado para si o que era seu, podia agora doar.
E o homem, então, falou outra vez:
– Agora que a luz do ouro que era seu já vive em seus olhos, você já pode se desfazer dele.
Ela sorriu e foi buscar o pote.
O dia já ia longe, e as trevas da noite já se anunciavam. A mulher e o homem andaram em direção à noite. Andaram até que a escuridão se fizesse completa. E então a mulher abriu o pote e jogou com força todo o ouro em direção ao céu. E cada moeda atingiu uma distância imensa.
E a noite não era mais a total escuridão: tinham nascido as estrelas.

(Junho de 2010. Texto escrito para o concurso de Lendas de Tânia Diniz, no qual recebeu o título de "Destaque" - o resultado do concurso você pode encontrar no Blog da Tânia, Mulheres Emergentes: http://www.mulheresemergentes.com/.)

Um comentário:

  1. A magia e a simplicidade das fábulas e o traço surpreendente dos contos.
    Muito bom!
    Pd'A

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