quinta-feira, 29 de abril de 2010

O cheiro do lixo

Walace é lixeiro. De segunda a sábado sai de casa quando o dia amanhece e vai para o trabalho. Mora longe da companhia, é preciso pegar dois ônibus. Leva na sacola o uniforme e as luvas grossas. Chega sempre no horário, toma um gole de café e vai se trocar. Sobe no caminhão com os colegas e segue olhando os carros que vêm atrás. Andam um bocado antes de chegar ao bairro em que coletam o lixo. Começam as paradas. Walace corre e grita como os outros, pega os sacos, joga no caminhão, deixa cair uma coisa ou outra e finge que não vê, como os outros. De vez em quando encontra alguma coisa boa no lixo e leva para casa. Um dia levou uma mochila quase nova para a filha pequena.
Walace não reclama. Trabalha a manhã toda. Almoça a marmita fria, cochila na sombra do caminhão, trabalha a tarde toda, encerra o dia. Toma uma ducha e põe de volta a roupa que veio de casa. Não perde tempo com os colegas que maldizem a vida. Não aceita a cachaça que lhe oferecem todos os dias. Não sonha com outro trabalho. Aceita a vida que tem.
Só não agüenta o cheiro que fica no nariz e não sai mais. Quando chega em casa toma outro banho demorado, esfrega cada pedaço do corpo, assoa o nariz com raiva, escova os dentes mais de uma vez, passa álcool nas mãos. Quando sai do banho, vai até a cozinha ver o jantar e reclama com a mulher que não consegue tirar o cheiro de suas roupas. Reclama com os filhos que não se perfumam. Reclama com os vizinhos que a rua cheira mal. Não come direito porque a comida tem cheiro de lixo. Não toca a mulher na cama porque a cama tem cheiro de lixo. Na boca da mulher sente o gosto do lixo.
Vai sozinho para o batente da porta e fica parado olhando a rua. Respira fundo e sente, a cada inspiração, o cheiro fétido. Então respira rápido e curto como cachorro cansado e sente ainda o cheiro do lixo. Entra de novo em casa e não escuta a mulher e os meninos que chamam. Entra no quarto e bate a porta com raiva. Que ninguém o incomode que leva pancada como a porta.
Mas no dia seguinte acorda disposto. Vai para o trabalho sem reclamar. O cheiro entorpece seus sentidos, o dia passa como os outros. Walace aceita a vida que tem.

(Abril de 2008)

Nenhum comentário:

Postar um comentário